29 de junho de 2012

RETRATO FALADO


Eu apanhei muito, ainda apanho, mas já bati também. Só que minha força não é tanta é outra é quase santa por tudo que superei e venho superando.
Lamento; não ser a única, há outras tantas iguais a mim, porém muitas já não têm voz, foram silenciadas para sempre.
Estou sozinha comigo, contigo, em meio à multidão, estou preza, refém do vício que não é meu. Inalo o cheiro vindo da boca etílica, ela morde, mastiga e cospe palavras ofensivas.
Os olhos transtornados que violentam minha a alma e o corpo, surrado, usado, vilipendiado.
Moro na rua, vivendo de esmolas e olhares que não me vêem, moro nas esquinas, vendida em carne e agonias, moro na mente do vizinho que ouve meus gritos e finge não ouvir. Moro na menina escolhida como mercadoria para pedofilia. Moro na mesma casa onde você vive e curiosamente não nos conhecemos.
Quebrei a casa toda, alguns dos meus ossos foram quebrados, a cara quase sempre; tomei remédios para dormir e outros para não acordar. Fui chamada de louca, depressiva, fresca, mimada, vadia. Tive muitos nomes, passei de mão em mão de boca em boca.
Sofri tudo aos gritos, sofri tudo calada, tudo pelos filhos; os filhos que tive por querer, os outros que tive sem querer, os que eu dei e não sei quem são; aqueles que não nasceram mesmo sendo sonhados e queridos.
Essa foi minha vida, por um teto, um sonho, um prato de comida, o status de uma vida a dois. Por quê?
Eu me tornei mulher ainda menina, foi tudo tão rápido... Foi meu pai, meu padrasto, meu tio, meu irmão, foi o padre, foi um homem, um homem sem rosto e sem nome, com jeito de bicho bem maior do que o bicho papão.
Eu acreditei que podia ser feliz e fui, fui atrás do meu sonho, fui atrás de você: amor, paixão, ilusão; você que foi meu tudo: amigo, amante, amor; meu homem.
Foi presente, ausente, foi bom e mau; dias de alegria, noites de choro sufocado, de sangue lavado. Você me deu uma vida, me pôs na vida e de mim você muitas e muitas vezes você tirou o direito à vida, eu morri incontáveis vezes.
Honrei teu nome por amor, desonrei por vingança, por muitos anos de comunhão na carne e bem pouco na alma.
Acreditei em conto de fadas, em histórias da Carochinha, passei de Cinderela à pano de chão ao beijar teus pés de príncipe com alma de sapo perdi bem mais do que tempo, perdi a noção.
Acreditei, eu com meu pouco estudo, eu com minhas faculdades e mestrados, eu analfabeta, eu diretora de empresa, eu doméstica. Eu independente com meu carro blindado e sem blindagem cardíaca.
Quem eu sou? Sou sua amiga de infância, sua colega de trabalho, a garota de programa parada na esquina, a empregada no elevador de serviço, a moça do balcão, sou sua ex, sua atual, sou sua mãe e sua filha.
O que importa é que todas nós temos nossos segredos e muitas vezes estão aparentes, dependurados em nossos olhos, diante dos teus e você não vê esse retrato falado.

Cuide do feminino, nós; as mulheres de sua vida agradecemos afinal é de uma de nós que você veio.

Elaine Spani
(29/06/2012)

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